sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Um país se faz com homens e livros... e fantasia


Texto: Karla Andrade, Fotografia: Joana Franca


Todos crescemos em um mundo debaixo d'água, onde um príncipe, o do Reino das Águas Claras, lutava contra monstros pelo nosso amor. Enquanto esperava pelo belo príncipe, meus amigos e eu vivíamos descalços a correr na chuva com o saci pererê, a boneca Emília e o marquês de Sabugosa.

Amo Monteiro Lobato -e também Ziraldo e Ana Maria Machado- e o meu segundo lar era o Sítio do Pica-pau-amarelo -segundo a grafia da ABL-. Nas minhas fantasias comia os quitutes da tia Anastácia enquanto a vó Benta explicava histórias de reinos e personagens extravagantes.

Em todos esses anos, a literatura infanto-juvenil cresceu -ainda que os referentes sigam sendo praticamente os mesmos-. Os mais jovens são quase de outro planeta, se comparados com os da nossa geração. Os telefones já não são de disco, o caderno e o lápis ou a caneta Bic já não são os únicos materiais de estudo, os heróis já não são Batman ou Super-Homem. Hoje as crianças curtem Bob Esponja e os jovens suspiram por Lara Croft, Harry Potter ou Edward Cullen.

Felizmente, nem tudo está perdido. Depois de tantas décadas, a literatura infanto-juvenil brasileira continua lutando por um lugar ao sol -e também por um espaço nas prateleiras das livrarias de todo o país, em meio a best-sellers internacionais e autores consagrados-.

Apesar de todas as dificuldades de publicação e distribuição, nossas jovens promessas não se rendem facilmente. Nossa literatura deu bons frutos e uma nova safra de jovens autores promete dar muita guerra e continuar criando mundos de fantasia para todos os gostos -e gerações-. Antônio Xerxenesky, Carlos Augusto Pessoa de Brum, Carol Teixeira, Érika Fonseca Maciel, Rafael Bán Jacobsen, entre muitos outros, dedicam-se à apaixonante profissão de escritores em tempos de crise -cultural, econômica, de opiniões e ideias-. Uma profissão de amor aos livros, à nossa língua, à cultura e, sobretudo, à fantasia. Menos mal que ainda haja quem queira "fazer livros onde as nossas crianças possam morar!".


domingo, 16 de janeiro de 2011

Gaudí: gênio ou maluco?

Texto: Karla Andrade, Fotografia: Sylvain Plante


Recebi um artigo, enviado pelo meu tio Valdemar, no qual o Luiz Mott -professor de Antropologia da Universidade Federal da Bahia, UFBA- critica no seu artigo Proust e Gaudí a tendência que temos a aceitar o preestabelecido como verdades universais. No seu artigo, Mott dispara contra os ícones do pensamento e da arquitetura, nesse caso Proust e Gaudí, cujos trabalhos ou trajetórias estariam desprovidos de toda e qualquer crítica por todo aquele que não queira parecer estúpido.

Mott tem razão. Infelizmente existem determinados tópicos na nossa sociedade que não ousamos contradizer para não sermos vistos como ignorantes. Mott não aprecia Proust nem Gaudí. Só por dizer o que pensa sem medo de atemorizar os conservadores, Mott já merece toda a minha atenção e o meu respeito.

Eu, por exemplo, detesto Glauber Rocha. E não falo por falar, senão por ter visto os seus filmes na faculdade, e participado das discussões sobre o seu significado, e tanto absurdo não me convence. Exagerado, sem sentido, agressivo... Os filmes de Glauber Rocha não me dizem absolutamente nada. Mas falar mal dele num círculo de cineastas ou cinéfilos é como renegar Deus numa igreja.

Não entrarei na questão proustiana, que seria demasiado extensa, mas sim na gaudiniana, que conheço bem de perto.

Entendo que haja pessoas que não gostem da obra de Antoni Gaudí. Mas também é necessário entendê-lo na sua complexidade, e talvez só por isso Gaudí já mereça o nosso respeito -e cuidado, digo respeito, e não unanimidade-.

Crente fervoroso, jamais se beneficiou de um só centavo. Tudo o que tinha ou ganhou doou-o à Igreja -para entender o porquê da sua ação é preciso conhecer a filosofia que tinha sobre o trabalho, a fé e Deus-. Só por ser coerente, como indivíduo, Gaudí já tem a minha atenção.

Por outro lado, era um senhor, um velho, não um jovem cuja mente fervilhante é capaz de coisas ousadas. Era um velho com visão ou alma de jovem? Talvez. -Por favor, podemos deixar a discussão de se um velho não pode ser também inovador e ousado para outro dia?-

Em terceiro lugar, suas obras magníficas diferem e muito da Sagrada Família. Por que? Porque talvez seja realmente distinto no objetivo e no conceito. O templo da Sagrada Família é uma ode a Deus. E Deus é velho, a religião católica é velha, e também algo rância (antes que os crentes me arranquem a cabeça, refiro-me só à Igreja, não a Deus). E tudo o que é antigo (tentemos imprimir um pouco mais de respeito ao tema) é também caótico e aglutinador. O de caótico é fácil de entender, dadas tantas guerras, conversões, reconversões que a religião sofreu em todos os seus séculos de História. O de aglutinador também. Ao fim e ao cabo, a religião católica vestiu nova imagem e roupagem a cada mudança de tendência estilística e artística da Humanidade para cativar e manter a sua hegemonia. Incorporou outros pensamentos e algum toque de modernidade -festas populares, representações populares e culturais que em certo modo até feriam ou contradiziam todo o dogma católico-, claro que com a clara intenção de perpetuar-se.

Como não ser um elefante branco quando se tenta plasmar tanta História num só elemento? Enfim. Gaudí sim é um gênio, cuja última obra, na minha humilde opinião, tenta plasmar toda a contradição, conservadorismo, opressão e algum que outro -parco- momento de reflexão mais puro e fresco da fé cristã. Precisamente por isso não é apto para todos os gostos, nem reclama unanimidade. Impossível ser unânime com a instituição católica -ou empresa, para alguns, entre os quais me incluo-. Tampouco é possível ser unânime com a arte em todas as suas facetas. Cada um que goste ou desgoste do que quiser. Graças a Deus ainda podemos ser democráticos nisso.